segunda-feira, outubro 01, 2007


Não foi no primeiro dia de outono que o sentiu chegar. Os dias são percorridos a galope em pensamentos e amostras de sentimentos. Não são pensados, são automatizados. O verão mal chegara para o ver, aquele esgar de quem sofre no primeiro sorriso porque sabe que o próximo estará longe, muito longe. A gabardine estava ali, impávida a olhar para ela na semana do primeiro pingo de nariz frio. A cama estava quente, ilusão corporal, meramente automato físico, a cama estava vazia, ela dorme sozinha. Os banhos são longos, fotogramas mentais de memórias arrasadas. O banho é longo porque é menos penoso perceber que o que escorre não são só vestigios de olhos chorosos. Há uma sensação de perda escondida debaixo da sua camisola de cashmere, algo que faz o seu estômago contorcer-se de ansiedade, de saber o que aí vem. Um infindavél inverno branco e cinzento de noites arroxeadas e sem luas. Um inverno inocente que alberga esta tentativa de vida depois da morte. O trabalho é igual, 9h pica o ponto, sorri para os colegas vestidos de amarelo, senta-se na única secretária que não tem vestigio de alma, a sua. Não tem histórias para contar, porque não as quer contar. Não tem amigos que as queiram ouvir porque não sabe tê-los, não sabe o que há para além da existência dele. É um nado morto, uma nulidade e sabe que só vivia por aquele esgar de sorriso de verão. Ele partiu, ela ficou. Ele viveu, ela viveu através dele. Ele gostava-se, ela gostava dele, pelos dois. A manhã de Agosto quente da planície que se mostrava dourada foi tocada por um momento, ele foi ter com ela, ela sorriu ( no único sorriso que daria o resto do ano). Lembrou-a dos sôfregos beijos em trigueirais vuloptuosos e o som das canas que assobiavam no vento quente, o simples facto de soprar bastava para o suor despoletar, mas não era suor, era um rio de danças corporais e gemidos abafados por mãos lascivas. Os cabelos revoltos confundiam-se no dourado da seara, o corpo coleccionava ervas secas no seu invólucro transpirado, um pecado inegavél, pensou enquanto apertava os atilhos da sua blusa de linho azul, contrastava com os olhos dos dois. Debaixo do sol massacrador e com as faces enrubescidas de luxúria, pensou que seria o único momento a reter, dali seria só a descer. Não haveria amanhã porque o hoje sugara tudo. Partiu de olhos aquosos e olhou para trás em busca de algo a que se agarrar. Acordou, correu a fechar a janela que deixava entrar o frio estranhamente recebido. Puxou da gabardine, depois do banho repetitivo e saiu. Apercebeu-se de que o outono havia chegado,não porque o dia estava mais frio, não por ter tirado a gabardine do armário, apenas porque o cheiro das castanhas quentes lhe atravessaram o olfacto na vinda para casa. O sol pôs-se mais cedo e ela, nessa noite, nessa fatídica noite, também.

1 comentário:

Bárbara V Brito disse...

ao sei se é do outono, mas tambem eu tenho algo aqui dentro de mim, quero-te aqui comigo, limpa minhas lagrimas internas, que eu limpo as tuas tambem.