sexta-feira, dezembro 28, 2007
terça-feira, dezembro 25, 2007
Um banco de igreja, frio, de um ébano baço. Paredes escuras e castiçais altos, vitrais que brincavam com a luz no chão de pedra. Ao fundo, austero, um altar rodeado de túmulos mais antigos que a própria construção cansada. Já vira muitos pés, muitos joelhos em oratórios de veludo vermelho, roçado da devoção repentina e interesseira, algum bom partido para "caçar", um bom negócio, uma lotaria no sapatinho, a fé curriqueira de crentes dissimulados. Gostava de se arranjar, vestia sempre o sobretudo de fazenda azul, com botões revestidos de cetim e o broche da avó, aquele que diziam passar de geração em geração, o vestido de malha bourdeaux, que tricotara sem pressas, um elogio digno das suas curvas como que desenhadas por um deus perverso. Gostava daquele banco, o sétimo a contar da fila da frente da esquerda, sentava-se sempre junto à ponta, não fosse haver um acontecimento que ela menos gostasse, um casamento, um baptizado, ou mesmo, uma missa. Não era crente, não tinha deus, achava que não precisava de um, mas não deixava de gostar da sua casa, era calma, nas horas mortas, quando os outros almoçam ou pecam. Entrava no silêncio crepúscular da mórbida igreja cravada de choros ainda ouvidos, cusquices de beatas, crianças obrigadas a uma fé e, até, os pedreiros que a ergueram, bastava estar atenta, atenta ao silêncio. Os saltos cortavam o silêncio, até ao sétimo banco, pé ante pé a vaidade dos sapatos fazia-se ouvir. De uma pele de crocodilo tingida de azul com pequenas fivelas douradas, tinham um ego imenso, com razão para tal. Sabia-se, gostava de si, já tivera uma noção do mundo suficiente para isso. Viajou por terras de mandalas, de Shivas, totems, cachoeiras, malaguetas, pinguins, relógios e chocolates. Fazia-se acompanhar sempre dos seus melhores amigos, os livros. Chamavam-lhe antipática, solitária, não o era, simplesmente achava que não pertencia ali, pertencia aos altos espiritos da arte, a literatura, a pintura, as conversas tardias de cognac e charutos censuradas por senhoras ditas "de bem". Era para ali que fugia, gostava de se sentar no velho banco, tentar perceber as gravuras dos vitrais, contar castiçais, divagar com quanto ouro teria sido aquele altar feito. Sentia-se em paz ali, sossegada, fora, longe, de si. As saudades corroiam-na, as cartas deixaram de chegar e dois anos e onze meses já eram demais para apelidar de "erro dos correios". Um coração que insistia em manter-se uno, uma bola no estômago mesmo estando em jejum. "Eu volto, prometo, venho buscar-te e estaremos juntos, viveremos felizes, morreremos velhos e aconchegados do nosso amor imenso, prometo-te minha Bianca", os olhos reluziram, lágrimas e esperança, uma combinação fatal em alguns casos. As cartas enchiam o correio no princípio, depois eram doseadas, uma ou duas durante a semana "desculpa, muito trabalho, sabes como é, mas é por nós, para nós". Até ao dia do "Já estamos longe à demasiado tempo, não vou voltar, há outra pessoa na minha vida, desculpa e sê feliz", uma mão frágil que deixa o papel timbrado escorregar para um chão por baixo do banco de jardim solarengo, lágrimas de imcompreensão, corre perdida para o abrigo mais próximo, a velha igreja. Desde então passa lá todos os dias, nas horas mortas, de almoço ou pecado. Quando ouve o silêncio lembrasse do último soluço, da última lágrima, do último sorriso. O sino bate as 13 horas, por entre os feixes de luz ela consegue distinguir as pequenas particulas de pó que se passeiam pela grande abóboda. De fronte levantada deixa os cabelos cairem sobre as costas, um castanho dourado, quase louro, tira os óculos escuros que lhe escondem os olhos de azul mesclado de verde inundados da luz de uma tarde de Março. Não há mais ninguém, nem mesmo no confessionário, lembra-se de quão cómico seria se ela ali entrasse. Encontros acabados só para lá da alvorada, e não eram, só, para leituras. Os lençois com um cheiro lascivo, os cabelos revoltos e ganchos perdidos, baton esborratado em fronhas de almofada bordada, sapatos desencontrados e roupas penduradas em pontas de cama desfeitas. Um cinto que se aperta, um sorriso de um corpo iluminado que se tapa sedutor cujos raios matinais deixam entrever. O seu nome não importa, Bianca...
A missa das duas da tarde vai começar, já deu a primeira badalada de chamamento, os bancos são invadidos e as velas do altar acendem-se trémulas, ela corre e faz-se ouvir, passa a mão na bacia de água benta e benze-se, só para afastar os "demónios" da mente, amanhã terá coisas para contar da noite que virá. Os demónios virão por seu próprio pé, no último andar do velho prédio dos azulejos azuis junto à fonte das moedas dos desejos, nunca lá deixou nenhuma, nem deixará.
segunda-feira, dezembro 24, 2007
Natal
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
Fernando Pessoa
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro de minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
Fernando Pessoa
quarta-feira, dezembro 19, 2007
domingo, dezembro 16, 2007
quarta-feira, dezembro 12, 2007
terça-feira, dezembro 11, 2007
Tenho algo escrito nas costas da mão, auxiliares de memória, ao estado a que cheguei. Contagem decrescente para férias, ainda tenho de contar quatro dias, quatro longos dias de tripanços, berros, gargalhadas nervosas, antipatias momentâneas e parvoice a roçar o auge. O fim-de-semana rendeu, na sexta deitei-me às? 5h da manhã, claro está. No sábado deitei-me às? Novamente às 5h da manhã, não podia deixar de ser. Porquê? Por razões que poriam em causa o meu profissionalismo a esta altura do campeonato se as postasse, pois é. Uma pessoa tem de espairecer, e uma exposição de fotografia de uma amiga é mais que uma boa razão para espairecer, principalmente quando depois se vai para um bar chamado "Marraquexe" que tem uma placa lá dentro a dizer "Deserto", com sofás no chão, dança do ventre, xixas e chás orientais, risos e gargalhadas e música de citara vinda dos cheiros a açafrão. Segunda-feira, uma Branca-de-Neve retornada ao seu chalé na floresta sossega e dorme, por enquanto. O seu principe partiu, sem data e hora para voltar, talvez daqui a umas horas, dias, noites e luas. Entretanto a sua redoma de vidro jaz intacta no passar fatidico do tempo e do relógio que roda num sentido apenas, onde as horas não congelam e a cor dos cabelos não se esconde.
segunda-feira, dezembro 10, 2007
quarta-feira, dezembro 05, 2007
Em agradecimento pela escolha e para retribuir, são estas as minhas leituras partilhadas:
Vasant Utsav - Porque os caval(h)eiros escasseiam nos tempos que correm, porque me fascina a inteligência e porque me cheira sempre a Oriente, meu nobre Eduardo.
Uma vida na estrada - Adoro viajar, e mesmo que seja num transporte exurbitantemente grande é sempre viajar, as cabines dos camiões sempre me fascinaram, haha. Um escrita simples e genuína de alguém igualmente genuíno, Sr. Amsilva.
Trilho - A minha querida Maria, a minha única e apaixonante Maria, brindada pelo genialismo em toda a sua existência, para mim, imortal.
The dream girl - Carolina, a paixão materializada num corpo, numa alma, a intensidade com que escreve sente-se instantaneamente.
P´ra te ter aqui - Alguém que me chega do outro lado do oceano, partilhando a mesma língua e diz adorar Pessoa só pode ser uma excelente, absolutamente linda e com o dom da escrita, a minha querida margarida, a minha Kátia.
Do you remember?...the new day is coming... - Porque tens uma sensibilidade que nunca pensei encontrar num espécime representativo do masculino, genial...
Coisas de Fada - Porque o meu mundo encantado só existe nela e nas suas histórias de fantasia, perco-me em contos enebriantes de 1001 noites. Porque te conheço e sei, que não existem fadas, só se se chamarrem Bárbara e a sua princesa se chamar Vanessa, mas par assim só existe aqui, comigo e contigo, no nosso mundo de fadas e dragões.
Casa Comun - Quando se junta um génio à literatura nascem pequenas grandes pérolas da escrita. Porque te admiro e dabes disso, porque fazes parte de mim como amante das artes e porque me conheces até à parte lamechas e mais além, meu João, meu erudito Topsius.
Claro no Escuro - Porque tens uma coisa que aprecio demais, a ironia, sátira, sarcasmo e humor negro demasiado bem doseados, já para não falar da dose cavalar de parvoice da qual eu partilho, sou uma fã incondicional.
Corpo Dormente - O Bruno Nogueira vê o mundo de uma perspectiva da dos comuns mortais, tem 1,94 e não é só na altura que é grande, porque textos e estupideses daquele tamanho e com aquele calibre humoristicamente mortifero, o resultado só pode ser mesmo de morte.
Enjoy...
O último fôlego do 1ºmódulo dá a sua cara. Não tenho tempo para nada, só para de vez em quando sair do meu estado sorumbático de workahoolic, que eu detesto, e me lembrar que tenho de comer, respirar e viver, assim como falar, com pessoas...o.O...
Trabalhos de cérebro espremido, entrevistas marcadas dia sim dia não que duram ao ponto de o relógio bater um novo dia, maus humores e falta, muita falta de sono.
A minha recompensa inesperada adiantada, um fim-de-semana frio e de sol dissimulado, por terras de costa do oeste, a minha costa vicentina. Um destino, até então desconhecido, a terra do pessegueiro mais conhecido da história lusitana, Porto Côvo e a mítica Ilha do Pessegueiro. A hospitalidade dos desconhecidos que nos fazem sorrir, um quarto quente e aconchegado por cortinas vermelhas e lençois lavados, mantas e aquecedores, um pequeno-almoço com lareira e croissants quentes com leite acabado de ferver, o gato que miava de fora da janela, a piscina gelada, a paisagem muda de beleza, as planicies e o forte abandonado que ousamos invadir. O momento, todo um momento de perfeição ilusória já que a mesma não existe, mas para nós, ali existiu, na sua maior simplicidade, sem fórmulas ou rótulos, só nós de pele descoberta debaixo de um tecto inclinado, motivo de inveja de deuses, que nos espiam do seu alto Olimpo.
A realidade voltou com Lisboa, mas a minha velha linda menina faz-me sempre sorrir, e hoje no regresso a casa, no meio do nevoeiro cerrado que nem o fim da rua me deixava ver eu vi, o meu sorriso coberto de um ar frio e cinzento que me lembrou porque tenho os olhos reluzentes no meio do nevoeiro, o frio chegou, o inverno pertence-me...
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