sexta-feira, abril 18, 2008



Lá estava ele, quieto e empoeirado pelo tempo. Esquecido, quase apagado da memória da menina mulher. Parecia intocado, tinha o mesmo brilho, o mesmo toque acetinado, forrado a cetim bourdeaux, as páginas delineadas de prata e na capa, debruada a palavra "NOTAS". Foi numa tarde de verão, muito quente e abafada, vestia a saia curta branca, o seu kimono curto verde, cabelos soltos de caracois revoltos e dourados, os olhos eram condescendentes com o kimono num verde mar. Apaixonou-se por um caderno numa loja que cheirava a incenso e soava a oriente, iluminada por um sol tardio e avermelhado o que fez a sua cor resplandescer ainda mais. Achou que o merecia, leválo-ia consigo, os seus olhos não brilhavam assim todos os dias, havia algo de especial naquelas páginas de cheiro intenso. Sentou-se na esplanada do 3º andar e contemplou a azáfama do verão, o polén no ar, o ar quente, o cheiro a linho das roupas frescas, escreveu no seu caderno, no perfeito caderno de cetim. Tinha 17 anos, desde então não mais se separou dele, levou-o para toda a parte, para as férias aventureiras, para o conforto da casa de campo, para a imensidão da areia, para o refresco no café, foram pedaços de vida partilhadas em folhas lívidas e agora escrevinhadas daquela tinta permanente e com cunho caligráfico. Um dia a menina de cheiro a menta e mandarim esqueceu o seu sorriso, esqueceu de escrever, esqueceu de existir naquele mundo de letras cuidadosamente desenhadas. O caderno jazia agora, imaculado na estante, a ganhar pó e a guardar pedaços de alma. Quatro anos, quatro longos anos levou a menina mulher a sorrir, a olhar para a estante e lembrar-se do passado comun, aquele que ela jurara esquecer. Abriu a capa dura e empeiroada, deixou o sol penetrar nas suas folhas e deixou-o respirar. Estava lá tudo, tudo voltou, tudo ficou, cravado. Pegou na caneta e decidiu que era hora, o bico destapado, a aproximar-se cada vez mais da página nua, foi instantâneo, a mão parecia deslizar como manteiga em pão quente, a caneta escrevia fervorosamente e os seus olhos brilhavam quase de uma forma pecaminosa e lascíva. 21, ela tinha agora 21, crescera. Percebeu que há coisas que são impossiveis não alterar, que outras, por usa vez, permanecem sempre e o gosto pela escrita, esse sempre esteve lá, no caderno mistíco de capa cor de vinho, espesso e acetinado onde a essência se funde com a experiência e os demónios guerreiam com fadas numa dança de rabiscos pensados e importados directamente de dentro, da alma.

7 comentários:

MCLL disse...

todas as recordações são boas, infinitas e infames...
recordar o passado e olhar-mos para ele dá-nos vontade de voltare-mos uns anos atrás.
Um dia quando existir vou louvar o homem que inventar a máquina do tempo. para não mais ter de recordar através do diário

Thiago disse...

É bom escrever, e tb é bom, termos algo k nos recorda de tempos mais felizes.


Não largues esse caderno.... escreve mais, mt mais, e deixa a tua impressão nele, como se fosse um pedaço de ti.

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P.S: Os morangos é quando quizeres XD

Kátia disse...

Ontem tive um encontro parecido com alguns cadernos onde escrevia,isso porque fui ver numa das (muitas) caixas que tenho um caderno onde havia anotações sobre cifras musicais...
Estou por aqui,lendo os escritos amigos e deixo um cheiro pra ti.

AmSilva® disse...

ainda vais dar em escritora, se deixares a caneta escrever.. em vez de a deixar de lado!!!
A curiosidade... do que tem nessas paginas...

beijos, dos bons

Bárbara V Brito disse...

cadernos, blocos de notas, pequenas folhas rasgadas, que memorias, que cheiros e gostos nos fazem recordar, faz futuras memorias, acaba esse caderno acetinado, depois vem o inverno e vais precisar de uma de veludo, para aquecer a alma e as mãos enquanto freneticamente falas das tuas aventuras, amores e desamores.
kiss kiss

Maria disse...

Um dia vais deixar-me escrever uma coisa muito muito importante:

"Nunca deixes de ser feliz..."

Anónimo disse...

Gosto de ti!