segunda-feira, outubro 24, 2011



O fumo cobria o céu de nuvens com distâncias simetricas entre si, pela noite fria de início de inverno que se avisinhava. Os sinos tocavam na sua majestosa sinfonia de metal polido e no silêncio espectral da velha vila, soavam apenas as badaladas ditadas pelo relógio. No final de tarde morria um sol rubro de rosa e com ele todos os segredos que ela que confidenciara. Não eram já horas de passear os sapatos de salto alto de verniz bourdeaux pelas pedras da calçada, a vila parára no tempo e uma senhora fora do resguardo da luz do dia não tinha lugar cativo na missa de Domingo. Apertava o sobretudo vermelho contra o peito na esperança de enganar o vento que a tentava beijar e tentava não lacrimejar com os últimos raios de sol direccionados contra a iris inconstante que naquele dia decidira ser cinzenta. Chegou à entrada da casa de pedra ccom porta de madeira negra e de fechadura queixosa aquando do contacro com a chave de traço antigo. A casa estava imóvel...o silêncio conversava por entre as frestas das janelas com o vento e os candeeiros do hall emanavam uma luz âmbar que a fazia lembrar sempre o quão aconchegante era aquela casa. Tirou os sapatos e sentiu a madeira rangente debaixo dos pés, o frio sob as meias de liga fê-la correr escadaria acima rumo ao quarto de banho onde deixou a água juntar-se aos sais de banho com cheiro de especiarias. A chaleira repousava em cima do fogão de lenha crepitante à espera que a água ganha-se coragem para a fazer assobiar e afogar o chá de cereja e canela que lhe manchava a chávena de loiça fina de vermelho. Dirigiu-se pé ante pé até à janela envidraçada de várias cores e deixou que os olhos sorridentes se deixassem embevecer pela vista da serra gélida coberta pelos últimos raios de sol. A camisa branca riscada deixava adivinhar as formas das suas pernas bem delineadas e o cabelo longo de comprimento encaracolado reflectia a cor do sol. Perdeu-se a olhar para o chão de madeira corrida com desenhos de uso cravados quando reparou nele. Havia chegado sem perturbar o silêncio, debruçava-se sob o arco que unia a velha cozinha e o hall e trazia os jeans gastos que lhe ficavam como imagem de marca. Mãos nos bolsos e sorriso apaixonado. Ela enrolava as pontas da camisa nos dedos e continuava a olhar o chão envergonhada, qual menina que havia sido descoberta num momento menos próprio. Ele deu meia volta, subiu as escadas escuras até meio e sentou-se nos degraus a olhá-la. Ela seguiu-o lentamente e parou no fundo das escadas, meio sem jeito, corada. Ele puxou-a para os seus braços e sussorrou-lhe ao ouvido "Nunca me canso de te encontrar...", ela agarrou a camisa dele com os olhos cristalinos lugrubes e respondeu "e eu que me encontres...nunca pares...". A água na banheira de estanho já pouco se queixava do seu alto cair, a chaleira no fogão dava sinal da sua presença mas nada se moveu no silêncio quebrado pelos lábios sôfregos de sentimentos tão antigos como o céu que os cobria de planetas sintilantes.

1 comentário:

Kátia disse...

"Ele puxou-a para os seus braços e sussorrou-lhe ao ouvido "Nunca me canso de te encontrar...", ela agarrou a camisa dele com os olhos cristalinos lugrubes e respondeu "e eu que me encontres...nunca pares...".

Por instantes,entrei no texto e me vi,protagonizando esta cena.E adorei fazê-la.

:-)