A chuva teima em ser condescendente com o meu estado de espírito. Há luzes pairantes e pouco visiveis, envoltas numa neblina teimosa. O cheiro do cais e os pingos que "desarrumam" um cabelo vaidoso. O gorro roxo decidiu alojar-se no cocuruto, reporta-me para os tempos em que a mamã nem me deixava sair de casa sem a touca de veludo. A noite, a noite... o restaurante envergonhado, a luz presente apenas na ponta do pavio, o vinho delicioso, a vista sedutora. Não quero ficar mal habituada, mas ser-se mimada é tão...viciante. Já não acontecia fazia tempo e memórias apagadas são como punhais que se escondem de amoladores, não estão afiados, mas por isso mesmo, magoam mais. Do que tenho receio é de parar. Não querer sair, não querer mais saber se o cabelo se estica ou encaracola, se os lábios tocam-se secos, se as olheiras permanecem, se a roupa se amarrota. Arranjar-me para apenas o espelho ver; não. Prefiro cobrir os espelhos e esconder-me da frente da objectiva. Não há nada mais cortante que olhos baços, o azul que perdeu o brilho, o verde que deixou de ser vibrante, o cinzento que se torna negro.
É nestas alturas que me apego a coisas tolas, a banda sonora do marcante filme, o livro que nunca passa despercebido na estante repleta, os chás, ai os chás, eu devo ter síndrome de imperador com tamanha pancada por chás. Descobri uma pérola (que bem o posso chamar assim já que o achei na GiftShop do Serralves), um chá de Alfazema. Nada de sacos ou saquetas, um pequeno pacote onde se mergula o respirador para a infusão, cheira deliciosamente. Aposto que nunca hão-de combinar tão bem como com os teus biscoitos de mel caseiros. Espero que surta o efeito dito, calmante. Mas não quero saber de músculos relaxados ou tensões apagadas, quero que me sossegue a alma, já que é esse o verdadeiro poder do chá. Espero até poder desvirginá-lo contigo, talvez naquele bule que te ofereci, recordas? Combinação perfeita.
O medo e a necessidade de voltar são aterradores, o pior de se estar sozinha é mesmo o escuro.